A POLÍTICA DE DEFESA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NO BRASIL

A POLÍTICA DE DEFESA DA PROPRIEDADE INTELECTUAL NO BRASIL

Newton Silveira

A propriedade industrial se insere em um ramo mais amplo do Di­reito, deno­mi­na­do pro­prie­da­de inte­lec­tual. Esta, por sua vez, ­inclui-se tra­di­cio­nal­men­te entre os direi­tos reais, dos quais o mais abran­gen­te é o direi­to de pro­prie­da­de, que se exer­ce sobre bens ima­te­riais.

Essa colo­ca­ção não é pací­fi­ca, pois mui­tos espe­cia­lis­tas do direi­to au­to­ral o incluem entre os direi­tos de per­so­na­li­da­de, como o di­rei­to à ima­gem e à pri­va­ci­da­de, e não entre os direi­tos reais. Po­rém, mesmo que se con­si­de­re que, pelo aspec­to patri­mo­nial, o direi­to de autor tam­bém seja uma forma de pro­prie­da­de sobre o fruto da cria­ção inte­lec­tual, sub­sis­te outra ver­ten­te dos direi­tos de autor, os deno­mi­na­dos direi­tos ­morais de autor, que, sem dúvi­da, se clas­si­fi­cam como direi­tos de per­so­na­li­da­de. Assim são o direi­to à inte­gri­da­de da obra, o direi­to de iné­di­to e o direi­to de ligar o nome à obra ou de tirá-la de cir­cu­la­ção, direi­tos esses que com­pe­tem ao autor como pes­soa e são de cará­ter ina­lie­ná­vel, impres­cri­tí­vel e irre­nun­ciá­vel.

Essa inter­fe­rên­cia com os direi­tos de per­so­na­li­da­de não se res­trin­ge aos direi­tos de autor, mas ocor­re tam­bém com os direi­tos do inven­tor, seja quan­to ao direi­to de iné­di­to (o inven­tor não pode ser obri­ga­do a reve­lar sua inven­ção), seja quan­to ao direi­to de ter seu nome de cria­dor men­cio­na­do na paten­te.

Mesmo as mar­cas e o nome comer­cial ou de empre­sa, que o Direi­to trata como uma forma de pro­prie­da­de, aden­tram os direi­tos de per­so­na­li­da­de quan­do for­ma­dos por nome ou ima­gem de pes­soa, ou por obras artís­ti­cas ou seus títu­los.

Assim, não pode­mos enca­rar a pro­prie­da­de inte­lec­tual exclu­si­va­men­te sob o ângu­lo dos direi­tos reais sobre bens ima­te­riais. Por outro lado, tais bens ima­te­riais são obje­to de negó­cios jurí­di­cos de alie­na­ção ou licen­ça de explo­ra­ção, maté­ria dos direi­tos obri­­ga­cio­nais. Nesse ramo do Direi­to, tam­bém se ­incluem as obri­ga­ções decor­ren­tes de atos ilí­ci­tos de vio­la­ção de segre­do indus­trial ou ­outros atos de con­cor­rên­cia des­leal.

Dessa forma, a pro­prie­da­de inte­lec­tual se acha pre­sen­te nas três cate­go­rias dos direi­tos sub­je­ti­vos: os direi­tos reais, os direi­tos de per­so­na­li­da­de e os direi­tos obri­ga­cio­nais.

Caso se restrinja, entre­tan­to, ape­nas à ver­ten­te patri­mo­nial des­ses direi­tos, a pro­prie­da­de inte­lec­tual irá con­sis­tir em direi­tos reais sobre bens ima­te­riais.

Entre os bens ima­te­riais, sobre­le­vam os que são fruto da cria­ção inte­lec­tual: os direi­tos de autor e os direi­tos do inven­tor, ou do autor de cria­ções indus­triais, na expres­são ado­ta­da pela Cons­ti­tui­ção de 1988.

O reco­nhe­ci­men­to legis­la­ti­vo rela­ti­vo aos direi­tos sobre as cria­ções inte­lec­tuais é fruto da Revo­lu­ção Fran­ce­sa, de 1789. No mesmo ano em que foi pro­mul­ga­da a Lei Cha­pel­ier, em 1791, que extin­guiu os pri­vi­lé­gios das cor­po­ra­ções de ofí­cios e con­sa­grou a li­ber­da­de de indús­tria, a Assem­bleia revo­lu­cio­ná­ria votou leis de pro­te­ção aos auto­res e aos inven­to­res.

Na dis­cus­são dos pro­je­tos, argu­men­ta­va-se ser a pro­prie­da­de sobre o fruto do tra­ba­lho inte­lec­tual a mais sagra­da das pro­prie­da­des, pois não resul­ta­va da ocu­pa­ção (como a pro­prie­da­de sobre a terra) e o autor tra­zia ao mundo uma obra antes ine­xis­ten­te.

Note-se, assim, que essa cate­go­ria de bens foi ins­ti­tuí­da com cará­ter niti­da­men­te con­cor­ren­cial, para subs­ti­tuir o sis­te­ma fecha­do das cor­po­ra­ções de ofí­cios.

Os direi­tos de autor e os direi­tos do inven­tor toma­ram rumos diver­sos: os direi­tos auto­rais pas­sa­ram a fazer parte do direi­to civil, sendo que sua tute­la não depen­de de for­ma­li­da­des de regis­tro ou de paga­men­to de taxas, e sua dura­ção é longa, inde­pen­den­te­men­te de explo­ra­ção da obra; os direi­tos sobre as cria­ções indus­triais fazem parte do direi­to comer­cial, sendo que sua tute­la depen­de da con­ces­são de um títu­lo pelo Esta­do (a paten­te), estão sujei­tos a taxas de ma­nu­ten­ção, seu prazo de pro­te­ção é mais curto e a lei esta­be­le­ce san­­ções para a não explo­ra­ção, como a licen­ça com­pul­só­ria e a cadu­ci­da­de por falta de uso. A Lei de Pro­prie­da­de Indus­trial brasileira, em vigor desde maio de 1996, esten­de essas san­ções para o caso de uso abu­si­vo das paten­tes ou abuso de poder eco­nô­mi­co.

Mais uma vez, res­sal­ta-se o cará­ter con­cor­ren­cial des­ses bens.

­                  Alguns tipos de cria­ção, como o ­design, o soft­wa­re, os cir­cui­tos inte­gra­dos e as varie­da­des vege­tais, pas­sa­ram a ser obje­to de leis espe­ciais, que lhes con­fe­rem um tra­ta­men­to sui gene­ris e que se preo­cu­pam com sal­va­guar­das que impe­çam sua explo­ra­ção de forma abu­si­va.

O suces­so do sis­te­ma de pro­te­ção à pro­prie­da­de indus­trial, median­te a con­ces­são de um títu­lo de exclu­si­vi­da­de con­fe­ri­do pelo Esta­do, fez com que ele se esten­des­se às mar­cas por meio do regis­tro. Criou-se, assim, um novo bem ima­te­rial, obje­to dessa forma espe­cial de pro­prie­da­de, embo­ra essa tute­la não seja, no caso, con­fe­ri­da em re­co­nhe­ci­men­to a um ato de cria­ção, mas para o fim de repri­mir a con­­cor­rên­cia des­leal. Esse direi­to com­pe­te ao empre­sá­rio, não ao autor. Dessa forma, as marcas passaram a inte­grar o qua­dro da pro­prie­da­de in­te­lec­­tual, ao lado dos direi­tos auto­rais e dos direi­tos sobre as cria­­ções indus­triais. Os direi­tos sobre os ­sinais dis­tin­ti­vos e sobre as cria­ções in­dus­triais com­põem a pro­prie­da­de indus­trial. No mundo mo­der­no, porém, as obras inte­lec­tuais são tam­bém obje­to do trá­fi­co comer­cial, por meio das indús­trias edi­to­rial, grá­fi­ca, fono­grá­fi­ca e de empre­sas de comu­ni­ca­ções e diver­sões, sujei­tan­do-se, em con­se­quên­cia, às nor­mas regu­la­do­ras da con­cor­rên­cia.

Assim, se os usuá­rios do sis­te­ma eram, ini­cial­men­te, os auto­res e os inven­to­res, hoje o usuá­rio prin­ci­pal é a empre­sa, que exige do Esta­do e dos orga­nis­mos inter­na­cio­nais uma pro­te­ção mais efi­cien­te para sua pro­prie­da­de inte­lec­tual, que passa a repre­sen­tar valor subs­tan­cial em seus ati­vos. Outro usuá­rio moder­no do sis­te­ma são os ins­ti­tu­tos de pes­qui­sa e as uni­ver­si­da­des, que vis­lum­bram obter do sis­te­ma ren­di­men­tos para cus­tear suas ati­vi­da­des. No Brasil, essas ins­ti­tui­ções ainda não estão apa­re­lha­das para pro­te­ger com efi­ciên­cia suas cria­ções e até mesmo suas mar­cas, quan­do se vol­tam ao mer­ca­do.

É natu­ral que assim seja, pois o cará­ter niti­da­men­te empre­sa­rial e con­cor­ren­cial desse ramo do Direi­to pare­ce ina­de­qua­do ao meio cien­tí­fi­co e, prin­ci­pal­men­te, ao ambien­te uni­ver­si­tá­rio. De ago­ra em dian­te, um pro­fes­sor uni­ver­si­tá­rio que quei­ra divul­gar, peran­te os meios aca­dê­mi­cos, o resul­ta­do de suas pes­qui­sas terá de pen­sar em soli­ci­tar uma paten­te, antes que um cole­ga, conterrâneo ou es­tran­gei­ro, faça-o, em pre­juí­zo de sua ins­ti­tui­ção. Essa ins­ti­tui­ção, por sua vez, terá de in­ves­tir recur­sos para reque­rer paten­tes para as in­ven­ções de seus pes­qui­sa­do­res e, prin­ci­pal­men­te, criar ser­vi­ços para divul­gar inter­na­men­te o novo espí­ri­to mer­can­ti­lis­ta que aden­tra as uni­ver­si­da­des.

Esses recur­sos são neces­sá­rios, ainda, para soli­ci­tar essas pa­ten­tes em ­outros paí­ses, se se tra­tar de uma inven­ção rele­van­te, caso con­trá­rio sua explo­ra­ção por ter­cei­ros nes­ses paí­ses será livre, sem nenhu­­ma com­pen­sa­ção pecu­niá­ria para o inven­tor e para a ins­ti­tui­ção.

Dessa forma, as uni­ver­si­da­des e os cen­tros de pes­qui­sas, par­ti­cu­la­res ou públi­cos, pas­sam tam­bém a ser agen­tes da glo­ba­li­za­ção da eco­no­mia, mesmo que con­tra o espí­ri­to con­ser­va­dor da tra­di­ção uni­ver­si­tá­ria.

Em 31 de dezem­bro de 1994, ­entrou em vigor, no Bra­sil, o De­cre­to n. 1.355, que pro­mul­ga o cha­ma­do acor­do TRIPs, ins­tru­men­to da glo­ba­li­za­ção da pro­prie­da­de indus­trial.

A lei bra­si­lei­ra de pro­prie­da­de indus­trial – Lei n. 9.279, de 1996 –, incor­po­ra as nor­mas do acor­do inter­na­cio­nal a que o Bra­sil ade­riu. Todas as for­mas de pro­prie­da­de inte­lec­tual, incluin­do os cha­ma­dos seto­res emer­gen­tes, pas­sam a rece­ber tute­la em forma de pro­prie­da­de.

Esse novo espí­ri­to foi obje­to de aná­li­se em livro edi­ta­do em 1994, de auto­ria de Fred Wars­hofsky, sob o títu­lo The patent wars: the bat­tle to own the world’s tech­no­logy.

A pro­prie­da­de inte­lec­tual se tor­nou a nova rique­za das ­nações, portanto é preciso adap­tar-se aos novos tem­pos.

De um lado, como usuá­rios do sis­te­ma, os cen­tros de pes­qui­sas neces­si­tam tomar cons­ciên­cia da com­pe­ti­ção e orga­ni­zar-se inter­na­men­te para esse fim. Do outro lado, estão os ­órgãos admi­nis­tra­ti­vos de con­ces­são de direi­tos de proprie­da­de inte­lec­tual: o INPI e os diver­sos ­órgãos des­cen­tra­li­za­dos de regis­tro de direi­tos de autor.

É pre­ci­so que o gover­no fede­ral se cons­cien­ti­ze de que o INPI não é mais um sim­ples órgão admi­nis­tra­ti­vo de regis­tros car­to­riais, mas um ins­tru­men­to de polí­ti­ca eco­nô­mi­ca nos novos tem­pos. Um ponto posi­ti­vo é o fato de o INPI ter apro­xi­ma­do-se fun­cio­nal­men­te do Cade para a repres­são do abuso do poder eco­nô­mi­co exer­ci­do por meio de direi­tos de pro­prie­da­de indus­trial. Mas o INPI neces­si­ta de urgen­te apoio do gover­no fede­ral para que possa exer­cer efi­cien­te­men­te sua rele­van­te fun­ção ­social e eco­nô­mi­ca, a começar pela instalação de sua sede legal em Brasília.

No entan­to, a pro­prie­da­de inte­lec­tual não se res­trin­ge à pro­prie­da­de indus­trial. O Bra­sil pos­sui um sis­te­ma sui gene­ris de regis­tro des­cen­tra­li­za­do de direi­tos de autor, com exce­ção dos direi­tos au­to­rais sobre pro­gra­mas de com­pu­ta­dor, que foram dele­ga­dos ao INPI pelo Con­se­lho Nacio­nal de Direi­to Auto­ral.

As ­demais face­tas do direi­to de autor, como os ­livros, as obras de belas-artes, o cine­ma, a arqui­te­tu­ra, acham-se dis­per­sas pelas mais varia­das ins­ti­tui­ções, dife­ren­te­men­te do que ocor­re em ­outros paí­ses que pos­suem um Copy­right Offi­ce ou uma Dire­cción Nacio­nal de Dere­cho de Autor. É fácil ima­gi­nar os abu­sos e as con­fu­sões que de­cor­rem desse sis­te­ma retró­gra­do.

A Lei n. 9.279/96, em seu art. 241, de forma mais didá­ti­ca que impe­ra­ti­va, auto­ri­za “o Poder Judi­ciá­rio […] a criar juí­zos espe­ciais para diri­mir ques­tões rela­ti­vas à pro­prie­da­de inte­lec­tual”. Embo­ra não se deva abu­sar da cria­ção de juí­zos espe­ciais, é certo que o sis­te­ma emper­ra­rá se, no momen­to de dar efi­cá­cia ao direi­to, fica­rem as par­tes sujei­tas aos ris­cos e às demo­ras judi­ciais.

O Bra­sil se obri­gou, pelo acor­do TRIPs, a garan­tir a efi­cá­cia dos direi­tos de pro­prie­da­de inte­lec­tual, deven­do, por isso, moder­ni­zar os ­órgãos admi­nis­tra­ti­vos e judi­ciá­rios envol­vi­dos.

Do lado pri­va­do, para com­ple­tar o tripé, exis­te a figu­ra do agen­te da pro­prie­da­de indus­trial. Da mesma forma que, por prin­cí­pio cons­ti­­tu­cio­nal, o advo­ga­do é parte essen­cial para a apli­ca­ção da Jus­ti­ça, o agen­te da pro­prie­da­de indus­trial é ele­men­to essen­cial para o fun­cio­­na­men­to do sis­te­ma de pro­prie­da­de indus­trial/inte­lec­tual no Bra­sil.

É inú­til o INPI anun­ciar pela Voz do Bra­sil (outro res­quí­cio do en­tu­lho buro­crá­ti­co) que está à dis­po­si­ção dos usuá­rios para aten­dê-los sem a inter­me­dia­ção do agen­te da pro­prie­da­de indus­trial. Os que ex­pe­ri­men­ta­ram fazê-lo conhe­cem as conse­quên­cias.

O agen­te é um pro­fis­sio­nal que repre­sen­ta a parte peran­te o INPI e que deve­rá ter conhe­ci­men­to jurí­di­co e téc­ni­co. É uma ati­vi­da­de mul­ti­dis­ci­pli­nar, mas que se inse­re no âmbi­to da con­cor­rên­cia, que tisna todo o sis­te­ma da pro­prie­da­de inte­lec­tual.

É ver­da­de que exis­tem mui­tos pro­fis­sio­nais atuan­do nessa área sem a qua­li­fi­ca­ção téc­ni­co-jurí­di­ca neces­sá­ria. Em minha opi­nião de advo­ga­do e pro­fes­sor de direi­to, o exer­cí­cio dessa ati­vi­da­de deve­ria ser res­tri­to aos advo­ga­dos, asses­so­ra­dos por peritos engenheiros, quan­­do uma ação tem por obje­to uma paten­te.

Duran­te a vigên­cia do Códi­go da Pro­prie­da­de Indus­trial de 1971, a ati­vi­da­de de repre­sen­ta­ção peran­te o INPI este­ve aber­ta a todos. À época, essa aber­tu­ra foi pro­vi­den­cial, pois a ati­vi­da­de esta­va res­tri­ta a cer­tos gru­pos cor­po­ra­ti­vos que, como ver­da­dei­ros car­tó­rios, mono­po­li­za­vam o exer­cí­cio da pro­fis­são.

Outro cunho da Lei de 1971 foi seu enfo­que ten­den­cio­sa­men­te nacio­na­lis­ta, o que trou­xe como efei­to a pola­ri­za­ção dos usuá­rios do sis­te­ma. As empre­sas estran­gei­ras se con­cen­tra­ram jun­to a um peque­no núme­ro de escri­tó­rios que defen­diam seus inte­res­ses, mui­tas vezes legí­ti­mos. As empre­sas nacio­nais, sem pen­sar nos desa­fios da glo­ba­li­za­ção, pas­sa­ram a se ser­vir de peque­nos agen­tes, esco­lhi­dos exclu­si­va­men­te pelo cri­té­rio do menor preço (cri­té­rio esse uti­li­za­do pelos ­órgãos públi­cos de pes­qui­sas, por meio de con­cor­rên­cia).

Embo­ra o sis­te­ma inter­na­cio­nal de pro­prie­da­de indus­trial te­nha adap­ta­do-se aos novos desa­fios, esse ter­cei­ro pé do tripé per­ma­ne­ce tão anti­qua­do e con­ser­va­dor como se esti­vés­se­mos no iní­cio do sécu­lo pas­sa­do.

Obvia­men­te, mesmo que se moder­ni­ze o INPI, que se cen­tra­li­ze o regis­tro de direi­tos auto­rais e o Poder Judi­ciá­rio crie jui­za­dos espe­ciais, o sis­te­ma não pode fun­cio­nar se a repre­sen­ta­ção das par­tes peran­te o INPI não tiver cará­ter con­cor­ren­cial. Neces­si­ta­-se, nessa área, de uma Lei Cha­pel­ier, que acabe com as cor­po­ra­ções de ofí­cios.

A regra neces­sá­ria a ser ins­ti­tuí­da é que um agen­te de pro­prie­da­de indus­trial não possa aten­der empre­sas con­cor­ren­tes. Pare­ce ób­vio, mas não é assim.

O Ato Nor­ma­ti­vo INPI n. 142, de 25 de agos­to de 1998, que ins­ti­tuiu o Códi­go de Con­du­ta Pro­fis­sio­nal do Agen­te da Pro­prie­da­de Indus­trial1, esta­be­le­ce em seu item 9:

O Agen­te da Pro­prie­da­de Indus­trial ou os agen­tes inte­gran­tes da mesma socie­da­de pro­fis­sio­nal de Agen­tes da Pro­prie­da­de Indus­trial, ou reu­ni­dos em cará­ter per­ma­nen­te para coo­pe­ra­ção recí­pro­ca, não devem repre­sen­tar junto ao INPI, em um pro­ces­so espe­cí­fi­co, simul­ta­nea­men­te, clien­tes em con­fli­to de inte­res­se.

Quan­do a Associação Brasileira dos Agentes da Propriedade Industrial (Abapi) pre­pa­rou o ante­pro­je­to do Códi­go de Con­du­ta, não havia o tre­cho acima gri­fa­do. O texto reza­va que “o Agen­te […] ou os Agen­tes […] não devem repre­sen­tar junto ao INPI clien­tes em con­fli­to de inte­res­ses”.

Inex­pli­ca­vel­men­te, no Ato Nor­ma­ti­vo foi acres­cen­ta­do: “em um pro­ces­so espe­cí­fi­co, simul­ta­nea­men­te”. Esse acrés­ci­mo tor­nou abso­lu­ta­men­te inó­cua a proi­bi­ção da repre­sen­ta­ção em con­fli­to de inte­res­ses.

Ao que cons­ta, não houve ­nenhum pro­tes­to da Abapi con­tra esse acrés­ci­mo.

A pro­pó­si­to, lem­bro-me de um comen­tá­rio do velho pro­fes­sor Canu­to Men­des de Almei­da, que era minis­tro do gover­no Getú­lio Var­gas quan­do da edi­ção do Códi­go da Pro­prie­da­de Indus­trial de 1945. Ele me disse: “Veja na parte que cuida da pro­cu­ra­ção de estran­gei­ro que houve uma troca de pala­vras no cor­re­dor do Cate­te”. Exa­mi­nan­do o texto do Decreto-lei n. 7.903/45, encon­trei o art. 214, que esta­be­le­cia o seguin­te: “a pes­soa domi­ci­lia­da no estran­gei­ro, para depo­si­tar marca ou paten­te, deve­rá, desde logo, cons­ti­tuir pro­cu­ra­dor hábil, domi­ci­lia­do no país, que a repre­sen­te peran­te o Depar­ta­men­to Nacio­nal da Pro­prie­da­de Indus­trial”.

O pará­gra­fo único desse arti­go, no entan­to, saiu com a seguin­te reda­ção: “O man­da­to, que pode­rá con­ter pode­res para rece­ber pri­mei­ras cita­ções, será arqui­va­do no Depar­ta­men­to, na forma do dis­pos­to no arti­go pre­ce­den­te”.

Evi­den­te­men­te, trocou-se deve­rá por pode­rá, isso foi devi­da­men­te cor­ri­gi­do nas leis sub­se­quen­tes, pois o texto daque­le pará­gra­fo tal como foi publi­ca­do tor­nou-se, tam­bém, abso­lu­ta­men­te inó­cuo.

A con­cen­tra­ção de repre­sen­ta­ção de par­tes em con­fli­to de inte­res­ses não prejudi­ca somen­te as par­tes repre­sen­ta­das, que, nor­mal­men­te, até des­co­nhe­cem o fato, por­que os ­órgãos de clas­se ten­tam coi­bir o dis­clo­su­re, sob a ale­ga­ção de que o envio de comu­ni­ca­ções ao mer­ca­do é falta de ética, o que é muito cômo­do para man­ter o sta­tus quo. Essa con­cen­tra­ção, na ver­da­de, inibe o desen­vol­vi­men­to de agen­tes de pro­prie­da­de indus­trial con­cor­ren­tes que aten­dam a par­tes que competem no mercado.

Em suma, impe­de o desen­vol­vi­men­to do setor de ser­vi­ços, que cons­ti­tui um ele­men­to essen­cial para que todo o sis­te­ma de pro­prie­da­de indus­trial bra­si­lei­ro fun­cio­ne.

Nem se diga que essa é uma ques­tão que deve ser resol­vi­da no mer­ca­do, median­te a com­pe­ti­ção entre as empre­sas de ser­vi­ços con­cor­ren­tes. A con­cen­tra­ção da ati­vi­da­de em pou­cas mãos, median­te o arti­fí­cio de aten­di­men­to em con­fli­to de inte­res­ses, fere as nor­mas da con­cor­rên­cia e impe­de que o sis­te­ma des­lan­che para a moder­ni­da­de.