NOTA PÚBLICA DO IBPI SOBRE A DECISÃO DO STF NA ADI 5529

NOTA PÚBLICA DO IBPI SOBRE A DECISÃO DO STF NA ADI 5529

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu no dia 12 de Maio de 2021 pela inconstitucionalidade do parágrafo único do artigo 40 da Lei de Propriedade Industrial (Lei 9.279/1996 – LPI). Tal dispositivo previa a extensão do termo final das patentes em razão do atraso no procedimento administrativo conduzido pelo Instituto Nacional de Propriedade Industrial (INPI). No que tangem os efeitos da decisão relativos a produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde, o STF conferiu à decretação/declaração de inconstitucionalidade efeitos ex tunc (retroativos), implicando, por consequência, na invalidação dos prazos finais hipertrofiados com base no dispositivo mencionado, respeitado o prazo de vigência de vinte anos estabelecido no caput do art. 40 da LPI, bem como no artigo 33 do Acordo ADPIC/TRIPs.
Considerando as manifestações críticas à decisão do STF, é dever institucional do IBPI esclarecer o seguinte:

  1. Decretação/declaração de inconstitucionalidade tem por efeito expurgar o dispositivo legal contestado da ordem jurídica. No que tange os seus efeitos, a declaração ex tunc implica na desconsideração de efeitos pretéritos. Isto em conta, afirmações no sentido de que com a decisão proferida o STF teria “invalidado direito adquirido” pecam por severa imprecisão técnico-jurídica. Efetivamente, considerando a extirpação de eficácia retrospectiva do parágrafo único do art. 40 da LPI da ordem jurídica brasileira, não se há de falar em “direito adquirido” e muito menos em sua invalidação. O sistema nacional não reconhece “usucapião de ilegalidades” como forma de estabilização de situações jurídicas precárias, e nem transforma os beneficiários de fonte normativa ilegal/ilegítima como salvaguardados de consequências pela invalidação do texto.
  2. Se por um lado não se questiona a eficiência do sistema de patente como um dos instrumentos disponíveis entre aqueles voltados a fomentar a inovação, por outro, não se ignora suas imperfeições. Especialmente, não se há de perder de vista a situação paradoxal que se coloca com a garantia ao titular da patente de um direito exclusivo em contrapartida à necessidade de acesso e utilização de informação para gerar inovação. Efetivamente, seja um período muito curto ou muito longo de termo de patente, ambos têm em comum desestimular a inovação – considerando apenas esta ferramenta pró-desenvolvimentista. A efetividade do sistema de patente reside, por conseguinte, em um desenho jurídico equilibrado do instituto em que, simultaneamente, os interesses do (a) autor da invenção, (b) do titular-proprietário-licenciado, (c) do Estado, (d) dos concorrentes, (e) dos consumidores e da sociedade civil, e (f) do meio-ambiente sejam cotejados.

A forma como o legislador concebeu a compensação ilegal e ilegítima garantida no expurgado texto não só feria direitos constitucionalmente tutelados de terceiros (núcleos de interesses “c”, “d”, “e” e “f”) mas, ainda, tinha o condão de retroalimentar o problema de ineficiência da Autarquia competente na condução do procedimento administrativo de exame dos pedidos de patente. Os efeitos do dispositivo são amplamente conhecidos: exclusividades de prazo final não conhecido ex ante, termo final do direito de excluir terceiros muito elástico, momento do domínio público serôdio em comparação aos demais países. Tais efeitos , isto sim, desestimulam a inovação e, ademais, oneraram a sociedade de forma indevida.

  1. O Brasil já conta com um sistema robusto de patente, em conformidade plena com os paradigmas internacionais (ADPIC/TRIPs). Destaca-se que o desejado desenvolvimento tecnológico nacional não é fomentado com a vigência hiperdimensionada de termos de patentes, mas antes pela capacitação tecnológica nacional (art. 5º, XXIX, da CRFB). Parafraseando a bem colocada observação de uma importante associação vinculada à propriedade intelectual, a desejada capacitação tecnológica é algo que vai muito além do que consta nos pedidos de patentes.
  2. A ADI 5529, que culminou na já mencionada decisão do STF, foi iniciada em 2016, tendo, porém, sua verdadeira gênese na ADI 5061 de 2013. Tratando da extensão não determinável (no momento do depósito do pedido de patente) do termo da patente, o julgado deu especial relevo às consequências práticas da combinação de dois aspectos cruciais ao sistema de patentes, quais sejam: i) a constituição do privilégio exclusivo, calcado no controle de utilização econômica da invenção (escassez) e ii) a importância do equilíbrio na duração deste privilégio.

A crise sanitária atual, posterior à proposição da ação mencionada, emprestou maior visibilidade a questões de saúde pública preexistentes, vinculadas ao acesso a medicamentos e a tratamentos médico. Tais questões envolvem necessária e evidentemente a consideração da escassez temporal gerada pelo privilégio garantido aos titulares de patentes de produtos e processos da área de saúde. Não se há, assim, de negar haver conexão entre a discussão que envolveu a ADI 5529 no que toca produtos e processos farmacêuticos e a equipamentos e/ou materiais de uso em saúde e/ou aquela que tem como tópico a concessão de licenças compulsórias para vacinas ou medicamentos voltados a tratar ou combater a Covid-19. No entanto, é falsa a perspectiva de que as inconstitucionalidades que viciavam a regra invalidada eram delimitadas às questões sanitárias.

  1. No que pese a discussão em como oferecer acesso mundial às vacinas contra a COVID-19 e considerando a possibilidade de um acordo de governança global envolvendo os titulares de patentes ou de pedidos de patentes, salienta-se a importância de que as negociações aqui envolvidas sejam conduzidas com plena transparência de informações relacionadas ao financiamento público e privado em P&D, às condições dos contratos firmados e à formação de preço das vacinas. É conhecida a mitologia de que os atos de inovação custam bilhões de dólares estadunidenses, sendo incógnita, porém, a origem do financiamento de boa parte desses dinheiros.

Urge, por fim, assinalar a premência de uma solução para a superação da pandemia e a importância de não se perder de vista que o que se está em jogo aqui é a saúde e a vida dos pacientes.

Desta forma, o IBPI congratula o Excelso Pretório por decidir em prol dos direitos constitucionais sensíveis (art. 5º, XXIX, art. 37, parágrafo sexto, art. 170, I, II, III, IV e V e art. 196 da CRFB), bem como por não se deixar levar por argumentos ad terrorem.