Newton Silveira
REsp nº 1238041/SC (2011/9035484-1)
Partes:
– Geração Comércio de Automóveis Ltda. (São Paulo)
Autora – Apelante – Recorrente
– Boeira & Boff Ltda. ME (Santa Catarina)
Ré – Apelada – Recorrida
Do exame do acórdão, apesar de diversas referências ao princípio da especialidade (ou da especificidade, no jargão do acórdão), parece não haver qualquer questão relativa à especialidade dos sinais distintivos objeto da lide – ambos são iguais (Geração) e se aplicam ao ramo de comércio de veículos.
O que se discute é, exclusivamente, o âmbito territorial dos sinais distintivos de cada uma das partes. O que implica na análise cronológica da aquisição dos direitos de cada qual.
Boeira & Boff Ltda. constituiu-se em 1996 perante a Junta Comercial de Santa Catarina, declarando no seu ato constitutivo o título de estabelecimento adotado – Geração.
Com esse ato teria adquirido o direito ao título de estabelecimento no território do Estado de Santa Catarina (por analogia à proteção do nome empresarial conforme o Código Civil), ou no território do município (por aplicação da antiga norma do Código da Propriedade Industrial de 1945), ou no âmbito territorial de sua atuação (segundo as regras das normas de concorrência desleal – área da clientela). Mas sempre um direito territorialmente limitado.
Já Geração Comércio de Automóveis Ltda. foi constituída em São Paulo no ano de 2001, quando adquiriu direito ao seu nome empresarial no território de São Paulo, na conformidade da atual regra insculpida no Código Civil de 2002 e Lei n. 8.934/94.
Assim permaneciam, cada qual em sua área geográfica de atuação. Alterando o panorama, a sociedade paulista requereu, em 2003, o registro da marca GERAÇÃO com o fito de estender a proteção local para todo o território nacional. Essa marca, depositada em 2003 foi concedida em 2010 na classe 12 (indústria e comércio de veículos) e se acha em vigência, sem, no entanto, atingir o uso anterior por parte de Boeira & Boff Ltda., direito adquirido no Estado de Santa Catarina[1].
A sociedade catarinense, no entretempo, solicitou registro para a mesma marca em 2004 na classe 35 (estabelecimento comercial), registro esse concedido em 2013, para valer em todo o território nacional[2].
Reabriu-se, assim, canhestramente, a questão da especialidade, uma para indústria e comércio de automóveis, outra para loja de comércio de automóveis. Ou seja, o INPI, metendo a colher, conclui que a classe 12 é diferente da 35 no caso…
Isso posto, o Relator no STJ, Marco Aurélio Bellizze, concluiu:
“Assim, seja por deter registro próprio junto ao INPI, seja por aplicação harmonizada do princípio da anterioridade e da territorialidade, a par de discutível a convivência das duas marcas sob o prisma da especialidade, deve-se reconhecer o direito de exploração da marca ao primeiro utente de boa-fé, in casu, o recorrido.
Esse direito de exploração, na hipótese dos autos, contudo, não está restrito ao âmbito territorial do estado relativo à junta comercial, diante do registro posterior também efetuado pelo recorrido – ao menos, enquanto válidos os registros.
Quanto ao domínio utilizado na rede mundial de computadores, aplica-se o princípio ‘first come, first served’, como definido no relevante e já citado voto do Min. Ricardo Villas Bôas Cueva (REsp n. 658.789/RS, Terceira Turma, DJe 12/9/2013).
Isso porque, a despeito da ressalva lá consignada quanto à eventual contestação por titular de registro de marca ou nome empresarial utilizado na composição do domínio, nesta hipótese, ambas as partes têm legítimo direito à utilização dos termos ‘Geração Automóveis’.
Com essas considerações, atendo-se aos estritos limites em que posta a lide, conheço do recurso especial e nego-lhe provimento.
É como voto.”
É preciso acrescentar que, tradicionalmente, as marcas eram de indústria e/ ou comércio, seja na Convenção de Paris, seja nos Códigos de Propriedade Industrial brasileiros. Num certo momento, o INPI eliminou o registro dos títulos de estabelecimento e das insígnias, pontificando que estas últimas se referiam à prestação de serviços, ainda em âmbito territorialmente limitado[3].
Posteriormente, tanto as Convenções internacionais quanto a lei interna vieram a prever as marcas de serviços, de âmbito nacional.
Então, na Lei nacional passamos a ter as marcas de produtos (leia-se de indústria e/ou comércio) e as marcas de serviços. Até aí tudo bem, a não ser que se passou a considerar que comércio é serviço!…
Assim, os estabelecimentos comerciais e de serviços passaram a registrar suas marcas na categoria serviços (classe 35 em diante). O resultado é que passamos a ter uma marca de produto (que compreende o comércio) e marcas de serviços (que também compreendem comércio).
Fácil de ver o resultado, como no acórdão em exame.
No meu Licença de uso de marca e outros sinais distintivos escrevi:
“Marca de comércio, propriamente dita, é aquela aposta pelo comerciante ou distribuidor em acréscimo à do fabricante, com ela coexistindo, lado a lado, na oferta do produto ao público (lembra-se que não é lícito ao comerciante suprimir a marca do fabricante sem sua expressa concordância). Quando o comerciante apõe sua marca ao produto sem que nele conste outra marca, a sua atuará como marca de fábrica, devendo ele responder perante o consumidor como se o fabricante fora (da mesma forma como o sócio comanditário passa a responder solidariamente se seu nome constar da firma, à semelhança do sócio-gerente da limitada que omita essa indicação). Exemplo comum desta hipótese são os supermercados com seus departamentos de marcas próprias, que assinalam produtos de terceiros como se próprios fossem. A marca de comércio indica que seu proprietário selecionou a mercadoria que revende ou distribui com a diligência que dele se espera. Quando se trata de um estabelecimento comercial reputado, a marca de comércio serve como recomendação do produto por ele comercializado, justificando muitas vezes para o consumidor que os preços sejam mais elevados.
Uma categoria relativamente moderna é a das marcas de serviço. Na medida em que a prestação de serviços se achava restrita a determinado local, pareceu ao legislador suficiente a existência do título de estabelecimento e da insígnia para assinalar essas atividades. A prestação de serviços, entretanto, organizou-se sob a forma de empresa e estendeu suas atividades em nível nacional e internacional, destacando-se de um local determinado, onde era fácil para o usuário encontrar o responsável pelos serviços de que se utilizasse. Da mesma maneira que o fabricante recebe as boas e más consequências da opinião do público sobre seus produtos, o proprietário da marca de serviço aparece para o público como se os serviços fossem por ele prestados, mesmo que delegue a terceiros sua execução.” (op. cit. p. 17/18)
O que se verifica é que o INPI estabeleceu nefasta confusão entre marca de comércio e marca de serviço. COMÉRCIO NÃO É SERVIÇO.
Para bem colocar a distinção, vamos ao Código Comercial do Império, de 1850 (revogado parcialmente pelo Código Civil de 2002).
O art. 4º daquela lei dispunha:
“Ninguém é reputado comerciante para efeito de gozar da proteção que este Código liberaliza em favor do comércio, sem que se tenha matriculado em algum dos Tribunais do Comércio do Império, e faça da mercancia profissão habitual (art. 9º).”
No entanto, o Código de 1850 não definiu mercancia, conceito que pode ser retirado da 2ª alínea, do art. 191, daquela Lei:
“É unicamente considerada mercantil a compra e venda de efeitos móveis ou semoventes, para os revender por grosso ou a retalho, na mesma espécie ou manufaturados , ou para alugar o seu uso (…).”
Note-se que a antiga Lei não definia indústria, mencionada no art. 19 do Regulamento 737 como empresas de fábrica.
A discriminação dos serviços aparece com clareza no art. 3º do CDC (Lei 8.078/90):
“Art. 3° Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços.
§ 1° Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.
§ 2° Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.”
Destacada, assim, a trilogia do Direito Empresarial decorrente da definição do art. 966 e seu parágrafo único do vigente Código Civil.
“Art. 966. Considera-se empresário quem exerce profissionalmente atividade econômica organizada para a produção ou a circulação de bens ou de serviços.
Parágrafo único. Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”
Tudo isso torna muito claro que a classe 12 brasileira (correspondente à classe 12 da Classificação de Nice) se refere aos produtos veículos, aparelhos de locomoção por terra, por ar e por água. Ou seja, indústria e/ou comércio do produto veículo.
Os serviços da classe 35 da Classificação de Nice (10ª Edição, versão 2015) compreendem publicidade, gestão de negócios comerciais, administração cambial e trabalhos de escritório (trabalhos de oficina). Ou seja, serviços auxiliares ao comércio, e não ao comércio em si, como se vê na seguinte nota explicativa:
“Esta classe não inclui, notadamente:
– as atividades de uma empresa, cuja função primordial seja a venda de mercadorias, i.e., uma empresa dita comercial;”
Mesmo do ponto de vista tributário, o comércio (distribuição) incide no ICM e a prestação de serviços no ISS.
Portanto, o INPI incluir uma loja de automóveis na classe 35 não passa de erro crasso da administração pública.
Se não, vejamos.
Em seu Tratado da Propriedade Industrial, Vol. II – Tomo II, n.3 in fine, escreveu João da Gama Cerqueira:
“Merece reparo, ainda, a parte final do artigo [93], que considera as marcas como sinais distintivos de atividade industrial, comercial, agrícola ou civil, quando a sua função é distinguir produtos ou mercadorias, como declara o art. 89.”
Referia-se o Mestre Gama Cerqueira ao Código da Propriedade Industrial de 1945, promulgado pelo Decreto-lei n.º 7.903.
Dessa Lei, é importante transcrever os arts. 89 e 90:
“Art. 89. As marcas registradas, de acôrdo com êste Código, terão garantido o seu uso exclusivo para distinguir produtos ou mercadorias, de outros idênticos ou semelhantes, de procedência diversa.
Parágrafo único. Considera-se marca de indústria aquela que fôr usada pelo fabricante, industrial, agricultor ou artífice, para assinalar os seus produtos e marca de comércio, aquela que usa o comerciante para assinalar as mercadorias do seu negócio, fabricadas ou produzidas por outrem.
Art. 90. Podem registrar marcas:
1.º) Os industriais ou comerciantes, para distinguir as mercadorias ou produtos do seu fabrico ou negócio.
2.º) Os agricultores ou criadores para assinalar os produtos de agricultura, de pecuária, e, em geral, de qualquer exploração agrícola, zootécnica, florestal ou extrativa;
3.º) As cooperativas ou organismos de cooperação econômica, para assinalar os respectivos produtos ou mercadorias;
4º) As emprêsas ou organizações profissionais para distinguir os produtos ou artigos resultantes de suas atividades;
5.º) A União, os Estados e Municípios, as entidades autárquicas, e de natureza coletiva, devidamente constituídas;
6º) As entidades de caráter civil ou comercial, para uso próprio ou de seus associados.”
Já no Vol. I de seu famoso Tratado, Gama Cerqueira destacava ter o fabricante e o comerciante “o máximo interesse em individualizar e distinguir os artigos que produz ou vende” (n. 119). Informava o autor que a finalidade das marcas, em seu antigo conceito, “era indicar ao consumidor o estabelecimento em que o artigo era fabricado ou a casa comercial que o expunha à venda” (n. 120).
E transcreve a lição de Braun “… de même que le fabricant, em marquant ses produits, se porte em quelque sorte garant des conditions spéciales de fabrication, de même le commerçant, en apposant sa marque sur les objets de son négoce, offre au consommateur la garantie du choix qu’il en a fait et des soins qu’ il y a apportés (op. cit., nº 64, pág. 221)”.
Não se discute, portanto, que a marca é aposta no artigo (produto da indústria ou mercadoria do estabelecimento comercial).
A questão é saber-se como proteger o nome de estabelecimento que comercializa os artigos (produtos ou mercadorias).
A respeito, o Código de 1945 regulava os títulos de estabelecimento e as insígnias:
Art. 114. Constituem título de estabelecimento e insígnia, respectivamente, as denominações, os emblemas ou quaisquer outros sinais que sirvam para distinguir o estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, ou relativo a qualquer atividade lícita.
Art. 115. O registro do título ou da insígnia somente prevalecerá para o município em que estiver situado o estabelecimento, considerando-se, para esse efeito, como município o Distrito Federal.
Mas, leis posteriores revogaram os dispositivos que regulavam o registro dos títulos e das insígnias, remetendo sua tutela para legislação especial, que nunca veio.
Assim, canhestramente o INPI, através de atos administrativos, e não da Lei, veio a incluí-los entre as marcas de serviços, o que não são.
Acerca da classe 35, é de se notar as normas do Departamento de Patentes do Reino Unido:
“There is no corresponding entry in the alphabetical list of services in Class 35 indicating that the wording in the explanatory note is general indication rather than a specific description of a service. The registrar will not object to this description of services in Class 35 provided that the nature of the retail service and (where this is not clear from the nature of the retail service) the market sector are also indicated. In the absence of such indications, objection will be taken under Sections 3 (6) of the UK Trade Marks Act 1994, on the grounds that without an indication of the means of bringing together goods and displaying them, the description in the explanatory note is too wide to be a proper description of any one retailer’s services.
In the case of department stores, supermarkets, hypermarkets, convenience stores etc, the following specifications will be allowed in Class 35:
The bringing together, for the benefit of others, of a variety of goods, enabling customers to conveniently view and purchase those goods in a department store.
Or
The bringing together, for the benefit of others, of a variety of goods, enabling customers to conveniently view and purchase those goods in a supermarket.”
Não se esqueça que as lojas de automóveis usualmente utilizam suas marcas de comércio (título de estabelecimento) nos vidros traseiros dos veículos que comercializam, ou seja, nos próprios produtos ou artigos.
Então, vamos à Economia.
O Prof. J. Pinto Antunes, Catedrático de Direito Econômico na Faculdade de Direito da USP (já falecido), em sua obra A PRODUÇÃO SOB O REGIME DE EMPRESA (Ed. Bushatsky, 1973), nas páginas iniciais (27/29), escreveu:
“PRODUÇÃO. Vamos analisar a compreensão e extensão do conceito. Produzir é criar coisas ofélimas. Ofelimidade é a utilidade no sentido econômico, conceito de compreensão mais restrita, de extensão mais vasta, que o de utilidade no sentido vulgar. Produzir é, pois, a criação de utilidades econômicas. Tudo quanto satisfaça aos desejos humanos é útil, economicamente falando, ou ofélimo. Os desejos humanos são satisfeitos por bens ou riquezas, isto é, por coisas ofélimas. E, assim, produzir é criar, aumentar ofelimidades, sinônimo de riqueza, bens ou utilidades, no sentido peculiar à Economia. A criação, aí, consiste, somente, no aumento da soma dos meios úteis ou capazes de satisfação dos variados e prolíficos desejos humanos.
…
Todavia, comerciar é produzir. O comerciante, pela sua atividade, aumenta as utilidades econômicas; cria ou aumenta a desejabilidade ou ofemilidade das coisas existentes. O comerciante compra por atacado e vende a varejo aos consumidores, que não possuem capacidade econômica de compra em grande quantidade; é, assim, criador de utilidades, porque a sua operação, o seu ato, é útil ao produtor anterior que pode liquidar, dessa forma, toda a sua produção mais rapidamente, entregando-se, de novo, à sua peculiar ou específica atividade no processo produtivo; é útil, por igual, ao consumidor último, que não tem capacidade econômica para adquirir toda a produção ou mesmo, podendo adquirir, não precisa de tantos bens ou produtos para a satisfação dos seus desejos quantitativamente limitados, pois todos os desejos são limitados em capacidade, dado o caráter de saciabilidade que os acompanha. Produz, assim, a utilidade-quantidade.
Sem o comerciante, de que nos valeria, como consumidores individuais, a oferta, por inteiro, de uma vagão de verduras?
O comerciante, fazendo o papel de distribuidor desta produção, multiplica a possibilidade da satisfação de muitos consumidores que, de outra maneira, teriam os seus desejos insatisfeitos. É, por isso, criador de ofelimidades, ou por outras palavras – é produtor de riquezas, de bens, em forma de serviços.
…
É sem dúvida, produtiva a atividade comercial.
Aquele que se dedica ao transporte é, também, produtor.”
Vê-se que a Economia acaba confundindo produção, comércio e serviços, não sendo útil para nossas indagações, valendo mencionar Louis Baudin:
“…et l’économiste qui est seulement économiste est un médiocre économiste” (L’Aube d’ un Nouveau Libéralisme, 1953).
Temos, assim, de retornar à interpretação jurídica.
A classificação de Nice, na nota explicativa da Classe 35, inclui “o agrupamento para terceiros de produtos diversos… permitindo ao consumidor vê-los ou compra-los comodamente”.
Vejo aí três personagens: o vendedor, o consumidor e aquele que agrupa para terceiros produtos diversos, ou seja, o prestador de serviços que organiza a gôndula do supermercado ou arruma esteticamente as vitrines.
No final das contas, arrumar gôndolas ou vitrines não passa de uma espécie de design, e não vamos visualizar no adorno de um produto a prestação de serviços do fabricante ao consumidor.
[1] Registro da marca “GA GERAÇÃO AUTOMÓVEIS” sob nº 825535468, depositada em 24/06/2003 e concedida aos 25.05.2010, sem direito ao uso exclusivo de “AUTOMÓVEIS”.
[2] Registro da marca “GERAÇÃO AUTOMÓVEIS” sob nº 826986510, depositada em 29/11/2004 e concedida aos 05/03/2013, sem direito ao uso exclusivo de “AUTOMÓVEIS”.
[3] “Se o nome comercial, subjetivo ou objetivo (pois este compreende mas não se exaure naquele), forma parte do aviamento subjetivo do empresário, ligando-se à sua pessoa, como o conceito e a confiança que ele desfruta e inspira no seu círculo de atuação (refletindo-se, embora, no próprio conceito do estabelecimento), já o título de estabelecimento e a insígnia constituem sinais de identificação diretamente ligados ao próprio estabelecimento, fazendo parte do aviamento objetivo da “azienda”. O primeiro faz parte do aviamento pessoal do empresário; o título e a insígnia, do aviamento “aziendal”.
Assim se achavam definidos o título e a insígnia no Código da Propriedade Industrial de 1945: “Constituem título de estabelecimento e insígnia, respectivamente, as denominações, os emblemas ou quaisquer outros sinais que sirvam para distinguir o estabelecimento comercial, industrial ou agrícola, ou relativo a qualquer atividade lícita” (art. 114).
Evidente, portanto, que o título é formado pela denominação e a insígnia, por emblemas ou outros sinais, aplicando-se um e outra, indiferentemente, a distinguir estabelecimentos relativos a qualquer atividade lícita, desde que, devemos acrescentar, se tratem de atividades empresariais. Embora os dispositivos legais relativos ao título e à insígnia estejam revogados, por ter o vigente Código da Propriedade Industrial revogado todos os Códigos anteriores (exceto, destaque-se, quanto à parte penal, processual penal e relativa aos efeitos civis da contrafação, que permanecem em vigor e incluem matéria sobre títulos e insígnias), tais conceitos permanecem válidos, não mais como direito positivo, mas como doutrina.
A definição aberta do art. 114 ensejou, no passado, abusos, como o registro indiscriminado de títulos de edifícios de apartamentos, considerados na época relativos a atividades lícitas, passíveis de registro. Atividades lícitas, entretanto, no caso, devem ser restritas às de caráter empresarial, já que a matéria dos sinais distintivos só pode ser compreendida como pertencente ao campo da concorrência, da qual decorre a tutela dos sinais no campo da propriedade industrial (a única exceção a essa regra é a proteção ampla ao nome comercial, que, como vimos, excede o âmbito concorrencial).
Nas atividades lícitas referidas pela lei se incluíam os serviços, exatamente pela mesma regra exposta, visto que a prestação de serviços se acha inserida no campo da concorrência. O registro de títulos e insígnias era, na vigência do Código de 1945, a única forma de se protegerem os sinais utilizados na prestação de serviços, pois as marcas de serviços não tinham ainda sido introduzidas na nossa legislação. Em um livreto explicativo da classificação de artigos, publicado em 1967, a Comissão de Classificação de Artigos e Produtos do DNPI confundiu a insígnia com marca de serviço, considerando que a insígnia distinguia a atividade e não o estabelecimento (Trata-se da publicação feita pelo MIC da Portaria DNPI n. 48, de 16 de novembro de 1966 – p. 119, II – que criou o registro de marcas de serviço na antiga classe 50).
Os incs. 5º e 6º do art. 120 do Código de 1945 dispunham não serem registráveis como título ou insígnia o que já constituísse marca ou nome comercial de terceiro, para o mesmo gênero de negócio ou atividade (restrição incorreta quanto ao nome comercial), ou que fosse imitação ou reprodução de título (omitiu-se aqui a referência à insígnia) registrado de terceiro, situado no mesmo município e destinado à exploração do mesmo gênero de negócio ou de atividade. Por esses dispositivos vê-se que a matéria recebe tratamento puramente concorrencial, levando-se em conta o âmbito territorial e a efetiva possibilidade de concorrência. Atualmente, a delimitação ao município é demasiado restrita, pois é comum que a clientela de determinada casa esteja distribuída para além dos limites de um município.
A matéria relativa aos títulos e insígnias não sofreu alterações substanciais com o advento dos Códigos de Propriedade Industrial subsequentes (1967 e 1969), tendo sido sumariamente omitida no vigente, de 1971, com a única explicação, no art. 119 deste, de que “continuarão a gozar de proteção através de legislação própria, não se lhes aplicando o disposto neste Código”. A legislação própria, como veremos no Capítulo 4, é a que regula a concorrência e que tipifica o crime de violação de título e insígnia, constante da parte final do Código de 1945 e que permanece em vigor. Assim, na verdade, apenas se suprimiram os registros de título e insígnia, mas não o direito a eles, da mesma forma que se protege o nome comercial objetivo, independentemente de registro.” (SILVEIRA, Newton. Licença de uso de marca e outros sinais distintivos. São Paulo: Saraiva, 1984, p. 12/14).