Newton Silveira
Esta empresa tão árdua…
Camões, Os Lusíadas,
Canto VI, 66
Durante anos fui assistente do Prof. Waldírio Bulgarelli no curso de Direito Comercial da Faculdade de Direito da USP. Depois, passei à autonomia de reger as aulas de Teoria Geral do Direito Comercial.
Nesse primeiro período, assisti ao Prof. Bulgarelli em suas aulas de Teoria da Empresa, que resultaram na publicação de sua tese A Teoria Jurídica da Empresa (Análise Jurídica da empresarialidade), editada em 1985 pela Editora Revista dos Tribunais.
Bulgarelli se orgulhava do que denominou de Escola Paulista de Direito Comercial, profundamente influenciada pelo direito comercial italiano, influência essa devida, em muito, a Tullio Ascarelli, que conviveu com as Arcadas no período da 2ª Grande Guerra, onde pontificou através de suas aulas e escritos. Dedicou Bulgarelli sua tese à “memória dos Professores Sylvio Marcondes e Oscar Barreto Filho, que tanto contribuíram para a construção da teoria jurídica da empresa”.
Na introdução de sua tese, Bulgarelli lamentava o fato de que a palavra empresa era utilizada com um variado número de significados, “o que, certamente, não contribui para a certeza e segurança características do ordenamento jurídico”. (p. 9 – isso nos idos de 1985!).
Referindo-se ao Código Comercial Francês, que já empregava a palavra empresa, escreveu Bulgarelli:
“Aliás, não foi sem razão que esse período histórico inicial, em relação à empresa no plano jurídico, foi denominado (por certo sem mordacidade e mais com o significado de desprezo ou falta de maior atenção) de período de ignorância na França” (p.11).
Importante destacar a seguinte constatação de Bulgarelli:
“Historicamente, a empresa tendo nele [no Direito] se inserido timidamente, quase esquivamente, graças ao elastério dado à noção econômica de comércio, a partir do momento em que assumiu a hegemonia econômica, tomando vestes próprias, acarretou, naturalmente, a inversão dos papéis: o comerciante passa a ser um tipo de empresa (a empresa comercial) e não a empresa um tipo de comerciante”. (p.14)
É em seguida (item 6 – p.19) que Bulgarelli introduz o termo empresarialidade, “termo que utilizamos para exprimir numa idéia geral e abstrata aquilo que é próprio da empresa”.
E acrescenta à p.41: “Sem dúvida, a razão maior é de que a empresa é um novo instituto que não guarda relação direta com a linha de inspiração romanística e para a qual é necessária nova postura.” (…) “Outra das possibilidades que se coloca na trajetória da doutrina da empresa, é a referente à linguagem”. E conclui: “razão pela qual, a fim de clarificar terminologicamente o fenômeno, na sua complexa projeção, adotamos o termo empresarialidade”.
Esse o panorama do direito de empresa, antes do advento do Código Civil de 2002. À época de seu projeto (634-B, de 1975) afirmava Rubens Requião que ali não se definia empresa, mas empresário.
Na verdade, o art. 966 do novo Código Civil define empresa, como atividade econômica organizada de produção e distribuição de bens e serviços, sendo empresário aquele que a exerce profissionalmente. Excetua-se a atividade intelectual, objeto de seu §único.
A atividade intelectual (individual ou sob sociedade) não constitui atividade empresarial, nos expressos termos do parágrafo único do art. 966 do Novo Código Civil:
“Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa.”
Não se transmuda ela em empresa em decorrência do emprego de auxiliares ou colaboradores, enquanto os sócios praticarem a atividade fim (intelectual) e os colaboradores e auxiliares praticarem atividade meio.
Assim, uma clínica radiológica, com dois sócios médicos, não se desnatura por empregar técnicos de radiologia, já que a função precípua de fornecer laudos e subscrevê-los sob responsabilidade médica é dos sócios.
O mesmo se diga quanto às sociedades de engenheiros, que subscrevem o atestado de responsabilidade técnica – ART.
E assim é em todas as profissões liberais regulamentadas, como os advogados, médicos, engenheiros, contabilistas e agentes da propriedade industrial, quer atuem autonomamente ou através de sociedades uniprofissionais.
Não influi na espécie de sociedade não empresária o fato de manter auxiliares ou colaboradores, portanto, nem o seu porte, maior ou menor, pois ser não empresário, na forma do parágrafo único do art. 966, é conceitual e não estrutural.
Também não influi o tipo societário adotado (exceto o da sociedade anônima), pois tais sociedades seguem sendo sociedades simples, registradas perante o registro civil das pessoas jurídicas. Os seus sócios sempre responderão integralmente pelo exercício de sua atividade liberal e regulamentada, mesmo que o tipo societário restrinja sua responsabilidade patrimonial pelas dívidas sociais, sendo coisas diferentes a responsabilidade perante bancos e fornecedores da responsabilidade profissional de médicos, advogados, engenheiros, contabilistas, agentes da propriedade industrial e outros, responsabilidade esta que decorre diretamente dos regulamentos de cada uma dessas profissões.
Após a promulgação do Código Civil de 2002, é equivocado e ultrapassado falar-se em cunho empresarial para qualificarem-se sociedades profissionais de grande porte ou que adotam tipos societários que tanto servem para as sociedades empresárias quanto para as não empresárias. Estas seguem como sociedades simples, registradas perante o registro civil das pessoas jurídicas.
Antes do novo Código Civil, o adjetivo empresário era a-técnico. Agora, o sentido é jurídico e está pacificado.
O final do parágrafo único do art. 966 (exceto se constituir elemento de empresa), não enseja as dúvidas de certa parte da doutrina e da jurisprudência. Elemento significa parte de, ou, conforme o Aurélio, “tudo o que entra na composição de alguma coisa” ou “cada parte de um todo”.
Assim, se a atividade profissional liberal for parte de uma atividade empresarial (como o jurídico de um banco), esta atividade empresarial não se transmuda em intelectual.
Mas uma sociedade de advogados (ou de qualquer outra atividade profissional de cunho intelectual) não se desnatura por seu porte.
A parte não contamina o todo. O elemento de atividade intelectual não altera a caracterização da empresa. A organização econômica de atividade não contamina a atividade intelectual, pois o objeto da sociedade e dos sócios continua sendo a atividade profissional regulamentada. Não será pelo porte de uma sociedade de advogados que seu contrato social deva ser registrado na Junta Comercial (art. 967)! E os sócios seguem sempre ilimitadamente responsáveis pela sua atividade profissional.
Uma leitura atenta do art. 966 e seu parágrafo único do Código Civil de 2002 é altamente recomendável…
Retornando à tese de Bulgarelli acerca, agora, da não empresarialidade (art. 1001 do Projeto e 966 do NCC):
“Em relação ao conceito do art. 1003, dois tipos de críticas foram feitas, incidindo uma, sobre o aspecto da recepção do conceito de organização em sentido econômico e a outra, rescendendo aliás a um certo tom misoneísta, sobre a extinção da tradicional divisão entre atos ou atividades civis e mercantis.
Quanto a esta última, não se conforma Rubens Requião com o fato de o Projeto ter abolido a distinção, afirmando: “Não diz o Projeto que a empresa, ou melhor o empresário pode ser civil ou comercial. Para os seus autores a expressão “comercial” é tabu diante da preocupação unificadora, como já tivemos oportunidade de registrar. O fato, porém, é que teremos na linguagem comum do mercado o “empresário comercial” e o “empresário civil”. Empresário civil é precisamente aquele definido no art. 1001, parágrafo único: “Não se considera empresário quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores, salvo se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”. (pp.405, 406)
E, respondendo à crítica de Requião:
“Já havíamos visto, contudo, que o Projeto considerou dispensável – como aliás é de boa técnica – a designação de empresário comercial, e porque o aboliu, também não se justificaria a menção a empresário civil, o qual aliás, nele não existe, pois ou é empresário ou é profissional intelectual, e no que tange às sociedades, estas, ou são empresárias ou são simples. A distinção pois, entre atividade civil e comercial que centralizava o regime anterior deixou de existir, havendo, agora, a distinção entre empresárias ou não-empresárias”. (pp.406, 407)
Numa visão posterior à vigência do NCC, o Professor de Direito Comercial do Paraná Alfredo de Assis Gonçalves Neto confirma, do alto de sua competência, o que já afirmava Bulgarelli em sua tese:
“Não se enquadra no conceito de empresário, segundo o parágrafo único do art. 966, ‘quem exerce profissão intelectual, de natureza científica, literária ou artística, ainda com o concurso de auxiliares ou colaboradores’.
É importante esclarecer, desde já, que essa previsão, por excepcionar o caput do art. 966, supõe, evidentemente, o exercício de atividade dessa natureza sob forma organizada e em caráter profissional, pois se assim não fosse, não precisava existir ressalva alguma. Ou seja, se não se verificarem os pressupostos da atividade organizada e da atuação profissional do intelectual, não há como enquadrá-lo no art. 966, o que torna incogitável, por isso e por óbvio, subsumi-lo ao respectivo parágrafo: por excluído já estar, a disposição excludente não o apanha.
Destarte, um escritor ocasional ou amador, mesmo que de sua produção intelectual faça profissão, não é empresário por não estar inserido no enunciado contido no caput art. 966. Também o escritor profissional, que desenvolve sua atividade intelectual de modo organizado, com o concurso de colaboradores e com estrutura para produzir em escala, não é empresário porque, embora abrangido pela referida regra, dela é excluído pelo disposto no seu parágrafo único.
Em primeira conclusão, portanto, não é empresário quem exerce atividade intelectual por qualquer meio, organizadamente ou não, sob forma empresarial ou não, em caráter profissional ou não, qualquer que seja o volume, intensidade ou quantidade de sua produção. Foi o que concluiu, aliás, a Comissão de Direito de Empresa na III Jornada promovida pelo Conselho de Justiça Federal: ‘o exercício das atividades de natureza exclusivamente intelectual está excluído do conceito de empresa’ (Enunciado n. 193, III Jornada de direito civil, p. 61)”.
E segue:
“Quem só tem por profissão o agir do intelecto não será jamais considerado empresário pelo sistema do Código Civil. É bem verdade que há a ressalva da parte final do parágrafo único do art. 966, permitindo sua inserção no conceito de empresário “se o exercício da profissão constituir elemento de empresa”.
Essa oração vem causando sérias dificuldades para sua compreensão. Com base nela tem-se sustentado que o exercício de atividade intelectual estruturada e organizada, produzida em volume expressivo, caracteriza a pessoa que a exerce como empresário”.(…)
“Não me parecem acertadas essas opiniões, com todo respeito. Em primeiro lugar, vale insistir que é precisamente da atividade intelectual organizada com finalidade econômica que cuida a primeira parte do enunciado do parágrafo único do art. 966 para afastá-la do conceito do empresário; se econômica e organizada não fosse, já estaria excluída no próprio caput”. (Direito de Empresa. Comentários aos artigos 966 a 1.195 do Código Civil, pp. 68, 69).
E conclui:
“De toda maneira, ser “elemento de atividade organizada em empresa” ou, simplesmente, “elemento de empresa” significa ser parcela dessa atividade e não a atividade em si, isoladamente considerada. Penso, por isso, que “a única possibilidade de enquadrar a atividade intelectual no regime jurídico empresarial será considerando-a como parte de um todo mais amplo apto a se identificar como empresa – ou, mais precisamente, como um dos vários ‘elementos’ em que se decompõe determinada empresa”.
Esse, como me parece, “é o sentido a ser dado à ressalva (da ressalva) contida no referido preceito, de tal sorte que a atividade intelectual, de natureza científica, artística ou literária, nunca poderá ser tomada isoladamente para identificar uma atividade capaz de subordinar quem a exerça ao regime jurídico próprio do empresário. É preciso que ela seja vista como um elemento, isto é, como um componente do conjunto que identifica uma empresa”. (do autor, Lições de direito societário, v. 1, n. 47, pp.116-117). (p.70).
Em parecer datado de 11/05/2005, o Professor Haroldo Malheiros Duclerc Verçosa escreveu:
“Conforme se verifica da relação de argumentos acima enumerados pela Prefeitura do Município de São Paulo, foi alegado, entre outros pontos, o caráter empresarial do contribuinte, bem como a existência de uma estrutura empresarial que seria incompatível com uma sociedade de profissionais.
Em primeiro lugar, destaque-se que o Direito Tributário não construiu um conceito jurídico próprio de empresa. Disto decorre que, neste ramo do direito, o conceito de empresa será aquele tomado pelo Direito Comercial, com as características neste encontradas. Observe-se, a propósito, que, mesmo depois do advento do Novo Código Civil (NCC), Lei 10.406, de 10.01.2002, em vigor a partir de 11.01.2003 (art. 2.044), o Direito Comercial continua como ciência autônoma, tendo havido tão somente uma unificação formal com o Direito Civil. Tanto um quanto outro vivem dentro do mesmo código, mas são diversos entre si nos seus princípios e na sua regência”. (pp. 5,6).
E acrescentou:
“Do ponto de vista estrutural, nada difere uma sociedade comercial de uma sociedade civil. Nos dois casos pode estar presente a mesma estrutura: além do núcleo básico da atividade em si, estarão presentes os departamentos de recursos humanos, de contabilidade, de cobrança, de almoxarifado, de informática, a biblioteca; etc. O que vai diferenciar uma empresa comercial de uma civil será tão somente a natureza da atividade e não a sua estrutura.
É pelos motivos acima que têm sido regidos como empresas civis (e assim continuaram no regime do NCC como veremos abaixo) os escritórios de advocacia, engenharia, arquitetura, os laboratórios de análises clínicas, etc”. (p. 9)
Para concluir:
“A partir da leitura dos artigos 966 e 982 do NCC, os conceitos de atividade empresária, de empresário e de sociedade empresária adquiriram maior precisão técnica, espancando uma série de dúvidas que ainda pudessem subsistir.
Neste sentido, conceitua o NCC como empresária, a atividade organizada para a produção de bens ou de serviços, mas dela excluída expressamente a atividade intelectual (artística, literária ou científica), exceto quando esta mesma atividade intelectual puder ser considerada como elemento de empresa.
Veja-se que o NCC mostra claramente que a empresa, olhada pelo perfil funcional de Asquini (atividade econômica organizada) pode estar sendo utilizada no campo intelectual, sem desnaturar a sua qualidade civil. A atividade intelectual somente pode ser considerada como empresária caso venha a ser enquadrada como elemento de empresa.
Portanto, afirma-se mais uma vez, não é a estrutura que define o campo da atividade, mas tão somente o seu conteúdo”.(…)
“Um aspecto extremamente importante que diferencia a atividade econômica mercantil da atividade econômica civil está que na primeira ela se dirige para o mercado, enquanto na segunda a relação entre as partes (fornecedor e destinatário) se caracteriza por ser de natureza pessoal e, muitas vezes, personalíssima. Neste sentido, ao buscar um serviço intelectual (médico, advogado, dentista, arquiteto, engenheiro, etc.) o cliente vale-se de pessoas nas quais ele tem confiança em vista de sua atuação profissional pessoal (por fonte própria ou por indicação direta de terceiros) e não por qualquer mecanismo interpessoal de publicidade a qual, aliás, é proibida para as profissões liberais.
Este caráter personalíssimo que reveste a contratação de atividades intelectuais não leva em conta a estrutura de empresa que eventualmente venha a ser utilizada por profissionais liberais. Convivem prestando serviços nesta área tanto o profissional individual, quanto as sociedades de profissionais que contem com grande número deles e, conseqüentemente, uma estrutura empresarial (no sentido funcional) adequada ao volume e à qualidade de serviços prestados”. (pp.12, 13)
Conclui o parecer:
“A decisão de desenquadramento afrontou a legislação vigente, tendo a Prefeitura Municipal exorbitado de sua competência ao atribuir caráter empresarial à consulente, havendo, desta forma, negado a vigência e aplicação ao NCC naquilo que lhe é reservado exclusivamente em definir o empresário e a sociedade empresária. Nos termos da Constituição Federal compete privativamente à União legislar sobre Direito Civil e Comercial, entre outros (art. 21, I)”. (p. 21).
Tanto é assim que, em parecer interno da Prefeitura do Município de São Paulo, concluiu-se:
“As sociedades ditas uniprofissionais, por força do disposto no §3º do artigo 9º do DL 406/1968 (norma geral de direito tributário, vigente no período abrangido pela autuação), recolhem o ISS com base em uma alíquota fixa, e não sobre o preço dos serviços prestados. Assim, é decorrência do desenquadramento da condição de SUP a obrigação de recolher o ISS sobre o valor dos serviços prestados, nos períodos ainda não colhidos pela decadência do direito de lançar.
Nos termos do §3º do artigo 9º do DL 406/1968, considera-se sociedade uniprofissional aquela que preste os serviços referidos nos itens 1, 4, 8, 25, 88, 89, 90, 91, e 92 da lista anexa (dentre eles, o serviço de agentes de propriedade intelectual), por meio de profissionais habilitados, assumindo estes responsabilidade pessoal pelos serviços prestados, nos termos da legislação aplicável.
O art. 4º da Lei Municipal nº 10.423/1987, por sua vez, dispõe em seu §2º que não se consideram sociedades de profissionais as que (I) tenham como sócio pessoa jurídica; (II) sejam sócias de outra sociedade; (III) desenvolvam atividade diversa daquela a que se estejam habilitados profissionalmente os sócios; (IV) tenham sócio que não preste serviço pessoal em nome da sociedade, dela participando tão-somente para aportar capital ou administrar; (V) explorem mais de uma atividade de prestação de serviços.
No caso concreto em exame, o contribuinte foi desenquadrado da condição de SUP por entender a fiscalização que a sociedade não prestava serviços de forma pessoal, possuindo corpo técnico diversificado (44 funcionários), prestando mais de uma atividade de prestação de serviços e revelando estrutura empresarial.
Não há, entretanto, na norma geral de direito tributário (DL 406/1968), nenhum obstáculo a que as SUPs tenham empregados que exerçam atividades auxiliares à consecução do objeto do seu contrato social, que é a prestação de serviços profissionais. Basta, apenas, que os serviços profissionais sejam executados sob responsabilidade pessoal dos profissionais habilitados.”
Além do mais, a Associação Paulista da Propriedade Industrial – ASPI impetrou mandado de segurança contra o ato do Diretor do Departamento de Rendas Mobiliárias da cidade de São Paulo, em prol dos interesses dos profissionais da área, defendendo que os serviços prestados por seus profissionais estão sujeitos à incidência de ISSQN, da competência municipal, nos termos do artigo 156, III, da Constituição Federal, cuja base de cálculo, no caso, estava regulada no artigo 9.º, § 1.º, do Decreto- lei n. 406/68.
Referido mandado de segurança foi julgado em 1a. instância pelo Juiz da 8a. Vara da Fazenda Pública do Foro Central da Comarca de São Paulo, que concedeu a segurança nos seguintes termos:
“Isto posto julgo PROCEDENTE a presente ação mandamental que a ASSOCIAÇÃO PAULISTA DA PROPRIEDADE INDUSTRIAL – ASPI move contra ato do DIRETOR DO DEPARTAMENTO DE RENDAS MOBILIÁRIAS DA CIDADE DE SÃO PAULO, para reconhecer a ilegalidade da cobrança do ISSQN sobre o faturamento dos associados da impetrante, na forma prevista no artigo 15 e parágrafos da Lei n.º 13.701/03 e na forma do artigo 19 e parágrafos do Decreto n.º 44.540/04, tanto quanto da Portaria SF 14/04, à vista da regra do artigo 9.º, §§ 1.º e 3.º, do Decreto-lei n.º 406/68, com a redação do Decreto-lei n.º 834/89 e da LC 56/87, concedendo a ordem para que a autoridade impetrada se abstenha da exigência do recolhimento do ISSQN na forma da legislação municipal mencionada, com o que haverá de se abster, igualmente, da aplicação de qualquer sanção pelo fato de o recolhimento ter sido feito nos termos do Decreto-lei n.º 406/68. Outrossim, haverá a assistente litisconsorcial de devolver as quantias recolhidas a maior, que se venceram entre a impetração e a presente sentença. Aquelas relativas a período anterior serão objeto de ação própria (art. 1.º, § 3.º, da Lei Federal n.º 5.021/66). Por derradeiro, condeno a impetrada ao pagamento de custas e despesas processuais. Não há lugar para condenação em honorários advocatícios (Súmula n.º 512 do STF).”
Se todo o acima exposto é tão claro como parece, por que o poder público interpreta a lei de maneira canhestra e, é óbvio, em seu benefício?
Lembro-me que um assessor do então Presidente Jânio Quadros havia lhe dito que a instituição de certo empréstimo compulsório era ilegal. A resposta do Presidente foi no sentido de que a prática demonstrava que apenas pequena porcentagem dos contribuintes iria a Juízo e os demais pagariam sem discutir.
Assim, a título de encerramento provisório deste ensaio, quero transcrever trechos de artigo publicado em O Estado de São Paulo de 09/01/2010 pelo lúcido advogado Onofre Carlos de Arruda Sampaio:
“O que temos presenciado, inúmeras vezes, são partes em processos administrativos, cíveis e criminais, terem de chegar até o Supremo Tribunal Federal para conseguir que lhes seja devolvido o respeito aos seus direitos e garantias individuais, negados por autoridades pressurosas em fazer justiça a seu modo e vezo, sem observância das devidas cautelas, que a Constituição e as leis exigem e pelas quais os magistrados devem zelar. (…)
O que há para temer é o sempre suspeito excesso persecutório, aquele que desborda e precisa que os direitos e garantias individuais sejam reduzidos para poder se consumar. (…)
Quando se trata de assegurar direitos e garantias individuais não há, nem pode haver, zelo que seja excessivo, pois é exatamente nas situações em que qualquer cidadão se vê na contingência de ter de enfrentar o uso abusivo da poderosa máquina do Estado que esses direitos e garantias individuais assumem a sua relevância plena”.
No entanto, a conclusão final que se impõe consiste na constatação da completa ignorância do direito de empresa (como nos primórdios do Código Comercial Napoleônico), talvez pela notória falta de professores de direito comercial nas Faculdades de Direito, ou pelo fato de o Código Civil de 2002 ainda não ter sido completamente deglutido pelo Poder Público.